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A Cidade Sebastiana.

Era da Borracha, Memória e Melancolia numa Capital da Periferia da Modernidade.

As memórias de opulência deixadas na cidade de Belém pelo ciclo econômico do látex legaram, igualmente, uma memória social, compartilhada e reverberada pelas gerações seguintes, de crise e decadência, de derrota e fracasso. Os belemenses romantizam o ciclo do látex, transformando-o em Era da Borracha, palavra de ordem de uma memória dolorosa e padrão narrativo de melancolia coletiva que só começou a se desfazer com a integração da cidade e da Amazônia à sociedade nacional brasileira, a partir do final dos anos 1960.

 

Este livro descreve essa memória coletiva. Procura dialogar com o mito mais do que evidenciá-lo. Procura construir uma sociologia fenomenológica muito próxima à história cultural e, também – por que não? – à literatura. O trabalho, originalmente uma dissertação de mestrado, foi orientado pelo professor Benedito Nunes e defendido em 1995. Esta é sua primeira versão impressa. Sua edição precede o centenário daqueles dias de crise, em 1912, antecipada pelos sismos econômicos e sociais de 1905 e 1910. Dias que congelaram a história de Belém. Dias sem heroísmo. Sua memória perdura, cem anos depois, ainda que, nem sempre, tal como se sabe a memória, tal como se entende o que seja memória. Melancolia sebastiana, frouxa e inexata, plena dessa insensatez das cidades que morreram prematuramente e que, não obstante, continuam.

O livro tem quatro capítulos. No primeiro deles, "Protocolo de sonhos" construímos a problemática proposta buscando demonstrar que há uma "sensação" de moderno presente na intersubjetividade de certos setores da sociedade amazônica. Essa sensação constituiria uma figuração social, ou seja, uma formação ideal-típica constituída dentro de um padrão narrativo socialmente sedimentado: uma forma de dizer. Supomos que essa figuração social, a qual passamos a chamar semiotical blues, surgiu na intersubjetividade de certos setores da elite belemense mas disseminou-se em uma intersubjetividade social bem mais ampla, ao longo do século XX.

Procurando compreender essa figuração social da modernidade constituída em Belém, passamos a observar que ela engendra códigos estéticos, políticos e de convívio social. A partir dessa constatação formulamos a tese de que esse modo nostálgico de sentir o moderno, marcado por uma aguda sensação de perda, por formas de saudade de um desconhecido que não foi vivenciado senão em pensamento, por um desmando de impotência e também por certo cinismo constitui um modo periférico de participar da modernidade.

No segundo capítulo, "Uma capital na periferia da modernidade", procuramos compreender o que foi a modernidade periférica em oposição ao que foi a modernidade de centro. Primeiramente, levantamos elementos do que teria sido essa modernidade peculiar que chamamos de modernidade triunfante, ou oitocentista. Em seguida, exploramos a alegorização moderna de centro, tomando por base o estudo de Walter Benjamin sobre “a capital do século XIX” (1989). Por fim, exploramos a correspondência entre as alegorias “de centro” e as alegorias periféricas de Belém. 

O terceiro capítulo, "As Halocinações", agrega as fantasmagorias da modernidade belemense: Reformas urbanas, o estilo eclético, a arquitetura em ferro, o tema das eflorescências, o planejamento da expansão industrial e comercial, a reforma e ampliação do equipamento citadino, políticas de formação e educação, práticas e políticas de higiene privada ou pública, estratégias de zoneamento social, com a formação de guetos para os imigrantes, etc. A modernidade conforma, como demonstrou Benjamin, um tecido social intersubjetivo – um plano mental difuso, pleno de referências, ideias e tipos – essencialmente alegórico. Adotamos o próprio método de Benjamin para fazer essa descrição: o das "imagens dialéticas" - uma estrutura anafórica e alegorética que procura ver a histórica através de fragmentos de compreensibilidade.

No quarto do livro, "Temporalidade da narração de Belém", compreendemos o ciclo do látex como um phármakon, como um discurso terapêutico, elaborado por certas camadas sociais mais abastadas de Belém – mas socialmente disseminado. Ensaiamos uma compreensão da história como uma temporalidade, coletivamente elaborada. Nele, resumimos nossas conclusões de pesquisa.

Poderíamos introduzir essas conclusões sugerindo que há duas maneiras de contar o ciclo do látex: com os olhos anacrônicos do presente, que pasteurizam a formação sócio-cultural do passado e o interpretam sob a influência de outros discursos e, de outro modo, com os olhos do passado ele-mesmo. A primeira estratégia corresponde a uma teoria da história um tanto menos hermenêutica que a segunda, a qual preferimos, na crença de que o processo das interpretações presente na história – como na sociologia e na antropologia – corresponde, fundamentalmente, a uma compreensão.

"A Cidade Sebastiana"atem-se aos fragmentos-látex que restaram de um tempo – e que persistem como uma temporalidade mitificada. Não se pretende desvelar e nem denunciar mitos; tampouco, corrigir-se perspectivas. Antes deseja-se fornecer atalhos – para o mito, para o passado e para uma intersubjetividade social.

 

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